segunda-feira, 14 de abril de 2014

Testemunho da Ilha do Retiro

  Quando, em Recife, dirijo-me ao estádio do meu time, Sport Club do Recife, já sei bem o que irei presenciar. Lá, na Ilha do Retiro, os grandes organizadores do espetáculo são os policiais militares. Com arma na cintura, cassetete, colete e grossos uniformes, os soldados e tenentes são quem ditam as regras fora das quatro linhas. Na geral, setor mais popular, e, ao mesmo tempo, mais tenso, a atuação dos militares é costumeiramente assaz violenta. A Torcida Jovem, a torcida organizada do Sport, é o contraponto da violência policial. "Vem, vem pra Jovem, vem roubar! Lá-laia-laia! Que você vai se amarrar! Lá-laia-laia!" - gritam os membros da organizada. 

  Nos últimos dois jogos em que fui ao estádio, confrontos eclodiram na geral. A polícia interveio com violência. Ao que parece o motivo do primeiro confronto a que me refiro, o do jogo entre Sport e Ceará, primeira final da Copa Nordeste, foi o fato de membros da organizada terem acendido um sinalizador. Este mesmo artefato foi acesso na arquibancada pela Torcida Brava Ilha. Tal fato, entretanto, não gerou confusão na arquibancada. Talvez não por acaso: os membros da Brava Ilha são, em sua maioria, jovens de classe média, e que dificilmente se envolvem em graves incidentes. O estado policialesco é, em parte, herança da ditadura. 

  Os membros da Torcida Jovem, na viagem de volta de Fortaleza, onde acompanharam a segunda partida da final da Copa do Nordeste, assaltaram uma loja de conveniência em um posto, na cidade de João Pessoa. Noventa pessoas foram encaminhadas a uma delegacia e depois foram liberadas, até onde pude apurar. Na semi-final do Campeonato Pernambucano assisti às mesmas cenas de violência entre a polícia e as organizadas. A Inferno Coral, organizada do Santa Cruz, enfrentou a polícia ao final da partida. A polícia também confrontou a Jovem, na geral do outro lado. Pessoas caindo umas sobre as outras, e, enquanto isso, a torcida ia embora nos demais setores do estádio, como se aquela violência não fizesse parte do seu ambiente. A normalidade da saída, porém, não escondia a tensão por ter de encontrar aqueles indivíduos perigosos lá fora, na rua. É na saída do jogo que todos vivem igualmente a mesma tensão, compartilham o medo. 

  Assistir a um clássico ou a um grande jogo em Recife é sentir vibração e medo, é buscar entender todas as contradições da sociedade brasileira. É sentir medo da Torcida Jovem do Sport, e, ao mesmo tempo, é sentir indignação pela truculência da polícia militar. Porque, para conter a violência, a Polícia responde com violência dobrada. Sobra pra todos que estiverem em seu raio de ação. Na geral da Ilha, a lei não chega.